Eleição no Congresso pode coroar aliança Bolsonaro e Centrão
Deputados e senadores vão
eleger nesta segunda-feira, 1º, quem comandará a Câmara e o Senado pelos
próximos dois anos, numa disputa que vai muito além dos interesses do
Congresso. O resultado da eleição pode significar um cheque em branco nas mãos
do presidente Jair Bolsonaro ao entregar a dois aliados dele a chefia do
Legislativo. A interferência de Bolsonaro na campanha indicou que as práticas
da velha política, com distribuição de cargos e verbas, sepultaram de vez a
expectativa de renovação manifestada nas urnas, em 2018.
Ameaçado no cargo por 59
pedidos de impeachment, o presidente investiu pessoalmente na costura de
acordos e na cooptação de votos para selar a eleição do deputado Arthur Lira
(Progressistas-AL) e do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Para Bolsonaro, a
eleição de Lira e Pacheco nas duas Casas do Congresso significa a blindagem do seu
mandato.
Os dois indicaram, por
exemplo, que são contrários a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) para investigar os erros do governo na condução da pandemia de covid-19 e
também à abertura de processo de afastamento do presidente. "Não vou
comprar briga nem procurar acotovelamento", disse Lira. "Não podemos
banalizar o instituto do impeachment", afirmou Pacheco.
A vitória dos dois candidatos,
se confirmada, também coroa o acordo de Bolsonaro com o Centrão. O grupo de
centro-direita, sem apegos ideológicos e notabilizado pelo fisiologismo,
ressurgiu em 2015 sob a liderança de Eduardo Cunha (MDB-RJ), que deixou a
presidência da Câmara e acabou sendo preso.
Bolsonaro se aliou ao Centrão
após embates com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) e a partir do
avanço de investigações contra o seu núcleo familiar, principalmente sobre um
esquema de "rachadinhas" no gabinete do atual senador Flávio
Bolsonaro (Republicanos) quando era deputado estadual no Rio.
Remanescente da "tropa de
choque" de Cunha e réu na Lava Jato, Lira manifestava a intenção de
presidir a Câmara desde 2018, mas nunca conseguiu se consolidar como sucessor
do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que lançou a candidatura do deputado
Baleia Rossi (MDB-SP).
Com sua ambição frustrada,
Lira deixou o grupo de Maia e atualmente é o líder do Centrão, encabeçando uma
bancada suprapartidária que reúne aproximadamente 200 dos 513 deputados.
Trata-se de um núcleo acostumado a explorar oportunidades num Executivo de base
congressual frágil.
O Estadão revelou que o
governo liberou R$ 3 bilhões em recursos "extras", do Ministério do
Desenvolvimento Regional, para 250 deputados e 35 senadores destinarem a obras
em seus redutos eleitorais. As tratativas foram conduzidas no gabinete do
ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que nega o balcão de
negócios. Dos contemplados, grande parte declarou apoio aos candidatos do
governo no Congresso.
Principal adversário de Lira,
Baleia conseguiu o apoio de partidos que vão da centro-direita à esquerda, na
maior frente ampla construída desde a redemocratização. O grupo é visto pelo
Planalto como o primeiro passo de um movimento articulado para desgastar ainda
mais Bolsonaro. Na prática, a aliança antibolsonarista pode representar um
ensaio para a disputa presidencial de 2022.
Após as eleições no Congresso,
Bolsonaro vai promover uma reforma ministerial. Na sexta-feira, ele condicionou
a recriação dos ministérios da Cultura, do Esporte e da Pesca à vitória de seus
aliados na Câmara e no Senado, mas sábado recuou e disse que essas pastas
continuarão como secretarias. Indicou, porém, que Onyx Lorenzoni deve ser
transferido do Ministério da Cidadania para a Secretaria-Geral da Presidência.
Com isso será aberta uma vaga para o Centrão, provavelmente para o
Republicanos, partido ligado à Igreja Universal. Cidadania é o ministério que
cuida do Bolsa Família, programa que Bolsonaro pretende usar como passaporte
para sua candidatura à reeleição, em 2022.
Contemplados até agora com cargos
de segundo e terceiro escalões, os líderes do Centrão querem deixar a periferia
do poder e mostram apetite por ministérios com orçamento bilionário. Além de
Cidadania, estão na lista de desejos do bloco as pastas de Saúde,
Desenvolvimento Regional e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE). O grupo também quer a recriação do Ministério da Indústria e Comércio
Exterior.
A reta final da campanha tem
sido marcada por defecções no arco de aliados dos candidatos adversários do
Planalto. Baleia perdeu apoiadores atraídos pelas benesses oferecidas pelo
governo e Simone Tebet (MDB-MS) também se viu abandonada na última hora por seu
próprio partido, que preferiu rifar a candidatura dela ao comando do Senado e
apoiar Rodrigo Pacheco, o nome avalizado pelo Planalto, em troca de cargos na
Mesa Diretora.
"O jogo está pesado.
Querem transformar o Senado num apêndice da Presidência. Não será possível dar
saídas aos problemas da sociedade sem independência", lamentou Tebet, que
manteve a candidatura sem aval do MDB. Agora, o mais cotado para ocupar a
primeira vice-presidência do Senado, caso Pacheco vença, é o líder do governo
no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO).
Na Câmara, mesmo com as
traições a Baleia, há chance de segundo turno. Ele formou uma frente que reuniu
pela primeira vez partidos rompidos desde o impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff. Mas o grupo começou a ruir. Baleia perdeu votos no DEM, PDT, PSDB e
PSL. Alguns dos antigos aliados de Maia, artífice da candidatura, mudaram de
lado na semana passada.
Antes, todos frequentavam a
residência oficial, num grupo apelidado de "expresso da meia-noite"
-- costumavam chegar tarde aos encontros noturnos de Brasília, regados a vinhos
e destilados, onde se discutem os rumos da política. Um deles, que celebrou a
primeira eleição de Maia para a Câmara, ocorreu no apartamento funcional que
ele dividia com Elmar Nascimento (DEM-BA). Embora morasse junto com Maia, Elmar
rompeu com ele ao ser preterido como candidato e hoje trabalha para eleger
Lira.
O "malvado favorito"
de Bolsonaro, aliás, era do mesmo grupo, que também incluía Alexandre Baldy
(PP), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Paulinho da Força (Solidariedade-SP) e
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
A saída de Maia deve abrir
espaço à pauta conservadora gestada por Bolsonaro. Por outro lado, reformas da
agenda econômica do governo avançaram, agora devem esbarrar no desinteresse do
presidente e da nova cúpula parlamentar, como a trava nas privatizações, que
levou a debandadas no meio empresarial. Uma reforma administrativa se choca com
a prometida criação de ministérios.
Na tributária, há conversas
para ressuscitar a CPMF. O presidente quer facilitar acesso a armas, aprovar o
excludente de ilicitude policiais. E seus novos aliados pretendem liberar os
jogos de azar. Lira Simpatiza com a ideia. A jogatina é bandeira do presidente
do Progressistas, o senador Ciro Nogueira (PI), e os desertores do DEM baiano
Elmar Nascimento e Paulo Azi. Além disso, ele tende a reduzir a transparência
na condução da Câmara. Já avisou que não dará entrevistas diárias e que pretende
desalojar o comitê de imprensa de perto do plenário.
Aliados de Baleia apostam nas
"surpresas" em eleições na Câmara. O caso mais lembrado nos anais da
Casa é a vitória de Severino Cavalcanti (PP-PE). Em 2005, ele ganhou explorando
divisões na base do governo Luiz Inácio Lula da Silva. O candidato oficial do
PT era o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. Na véspera da votação, ele
promoveu churrasco numa mansão do Lago Sul, bairro nobre de Brasília.
Ministros, parlamentares e dirigentes partidários compareceram em peso. Foram
192 deputados, da direita à esquerda. Todos se convenceram do favoritismo de
Greenhalgh, mas as urnas guardavam um revés ao governo. Os deputados foram à
festa, mas não votariam no petista.
Apoiadores do candidato do MDB
não esquecem o episódio. Apostam justamente nessa virada em massa para levar a
eleição ao segundo turno. Dizem que os deputados estão acuados pela
"chantagem"palaciana e darão o troco na urna. Segundo propagam,
congressistas declaram voto pró-Planalto apenas como forma de defesa, mas
seriam contra Lira.
"Tem uma parte da eleição
que não se percebe a olho nu. Ela é subterrânea, está abaixo da linha d'água,
pertence aos bastidores", diz o ex-ministro e ex-presidente da Câmara Aldo
Rebelo, hoje sem partido, mas sempre auscultado pelo generalato das Forças
Armadas e até pelo Planalto. "Nem o candidato apoiado por Bolsonaro é tão
situação como se diz, nem o outro é tão oposição como se fala. Nem Lira vai
segurar Bolsonaro, nem Baleia vai derrubá-lo. Um presidente que depende de ter
como fiador de seu poder o presidente da Câmara é porque está muito
fraco."
Outra suspeita é quanto dura a
lealdade de Lira a Bolsonaro. E quem terá mais força na relação.
Reservadamente, dirigentes partidários calculam as chances de Bolsonaro virar
"refém" de Lira. O ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE), presidente
do Congresso quando Bolsonaro assumiu o poder, afirma que o Planalto pode conseguir
uma vitória de "Pirro".
"Ninguém é presidente de
dois poderes ao mesmo tempo", alerta o emedebista, partidário de Baleia.
Embora contrário ao impeachment, Eunício diz que Bolsonaro desequilibrou o jogo
e que deputados poderão radicalizar contra as pautas do governo em reação.
"Não é bom nem para o Executivo. Ele ganha, mas não leva. O presidente da
Câmara pode muito, mas não pode tudo. Esses ímpetos sem dimensão não
contribuem. É a desmoralização total da democracia a distribuição de R$ 3
bilhões em meio à academia. Não tem dinheiro para comprar vacina, mas tem para
comprar voto."
Felipe Frazão e Vinícius Valfré
31 JAN2021