Endometriose pode afetar 10% das mulheres brasileiras
Demora no diagnóstico é
problema comum
Após sofrer por cerca de 34
anos com cólicas e outras dores que se intensificaram ao longo do tempo, a
jornalista Andrea Mello Diniz, 46 anos, está prestes a passar por uma cirurgia
para retirada do útero e do colo do útero, comprometidos pela endometriose.
Somente em 2019, 11.790 brasileiras precisaram de internação por causa da
doença.
A endometriose afeta cerca de
10% da população feminina brasileira, segundo a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), sendo mais frequente entre mulheres de 25 a 35 anos de
idade. A doença é causada por uma infecção ou lesão decorrente do acúmulo, em
outras partes do corpo, das células que recobrem a parte interna do útero (o
endométrio) e que são eliminadas com a menstruação.
Como as chamadas células
endometriais são regularmente expelidas junto com o fluxo menstrual, seguem se
acumulando fora da cavidade uterina, principalmente nas regiões da bexiga,
ovários, tubas uterinas e intestino. Nos casos mais graves, como o de Andrea,
podem formar nódulos que, se não forem tratados a tempo, tendem a afetar o
funcionamento de outros órgãos.
Andrea Mello Diniz sofreu com
cólicas por 34 anos até ter a endometriose diagnosticada - Arquivo pessoal/Andrea Mello Diniz
“A endometriose bloqueou minha
tuba uterina direita e meu ovário direito, o que me causava dores horríveis. A
doença também atingiu outros pontos e, de acordo com os médicos, poderia ter
bloqueado meu intestino”, contou a jornalista que deve se submeter, em breve, a
uma histerectomia total.
“É a cirurgia para retirada de
todo o aparelho reprodutivo feminino. Um procedimento extremo que, segundo
outra médica especialista em endometriose com quem conversei, é a melhor coisa
a fazer neste ponto a que cheguei. Segundo a médica, se a doença tivesse sido
diagnosticada antes, isto talvez não tivesse sido necessário”, acrescentou
Andrea, em entrevista à Agência Brasil.
Segundo a vice-presidente da
Associação Brasileira de Endometriose e Ginecologia Minimamente Invasiva (SBE),
Helizabet Salomão Ayrosa Ribeiro, a demora do diagnóstico da doença é comum,
mas costuma estar associada ao fato de muitas mulheres, mesmo sofrendo,
protelarem a ida ao médico, por acreditarem que as cólicas menstruais são
naturais.
“Infelizmente, casos assim são
frequentes. No mundo todo, a endometriose demora, em média, de sete a dez anos
para ser diagnosticada. Principalmente devido à tendência das pessoas
naturalizarem a cólica menstrual, o principal sintoma e a principal queixa das
pacientes”, afirmou a médica.
Ainda segundo ela, há alguns
ginecologistas que também subestimam as queixas das pacientes e, assim, deixam
de encaminhá-las para realizar exames mais detalhados, como indica o caso de
Andrea, que desde os 12 anos vêm passando por diferentes especialistas. A
ressonância magnética pélvica e o ultrassom transvaginal são os dois principais
meios de identificar a endometriose.
Além da cólica intensa que, em
muitos casos, se torna debilitante, a doença costuma estar associada a outros
sintomas, como uma dor profunda na vagina ou na pelve, durante a relação
sexual, ou a uma dor pélvica contínua, mesmo que não relacionada à menstruação.
Outros sintomas comuns são a prisão de ventre ou a diarreia durante o período
menstrual e a dor ao evacuar ou urinar.
Contudo, a maioria dos casos é
diagnosticada quando a paciente procura um especialista devido à dificuldade de
engravidar – o que pode ser uma das consequências da endometriose.
“A infertilidade, assim como a
doença, pode ser revertida, mas isso vai depender da situação. Qualquer que
seja o caso, é preciso analisá-lo individualmente, pois a eficácia do
tratamento depende do local afetado, do grau de comprometimento e do histórico
da paciente”, explicou Helizabet.
Cólicas
podem ser sinal de alerta
A vice-presidente da SBE
alerta que muitas mulheres que têm endometriose não apresentam qualquer outro
sintoma que não uma cólica menstrual moderada. O que reforça a importância de
que todas consultem um ginecologista ao
menos uma vez por ano e que jamais naturalizem a dor.
“A mulher ouve que é normal
ter cólica, que basta tomar um remédio, e deixa o tempo passar. De fato, é
normal a mulher ter cólicas nos primeiros dias da menstruação, mas não que
estas dores, quando fortes, não passem nem tomando medicamentos. Não é natural
que as dores atrapalhem atividades; o trabalho. Que impeçam a mulher de
praticar atividades físicas. Aí, é o caso de procurar um especialista”, frisou
Helizabet.
Ansiosa pela cirurgia que
promete reduzir seu sofrimento e lhe devolver um mínimo de bem-estar após
décadas de dores, privações e desenganos, Andrea sabe que a recuperação não
será imediata, mas diz que conhecer a causa de suas dores lhe deu esperanças.
E, principalmente, tirou de seus ombros o peso da desconfiança.
“Já na adolescência eu me
acostumei com meus pais me levando para tomar Buscopan na veia. Ainda assim, a
vida toda eu ouvi tias, primas, amigas, colegas de trabalho e até médicos
minimizarem minha dor, dizendo que nunca tinham sentido o que eu dizia sentir,
que eu estava superestimando a dor ou que, talvez, eu estivesse apenas
estressada. Isto fazia com que eu me sentisse pior”, disse Andrea, apontando o
“fator psicológico” como um agravante da doença.
“Eu ficava de cama por causa
das dores. Às vezes não saía de casa por medo de que nenhum absorvente fosse
capaz de conter o fluxo de sangue – na escola, cheguei a manchar a roupa
algumas vezes. Imagina o peso disso para uma adolescente. Já adulta, ouvi de
uma chefe que menstruação não é doença – como se eu estivesse fazendo corpo
mole. E enquanto eu me questionava se ninguém mais sentia o mesmo que eu,
passava de médico em médico e tomava remédios cada vez mais fortes para a dor.
Até ansiolítico me foi prescrito por ginecologistas”, relembrou a jornalista.
“É necessário um olhar mais
específico para a saúde da mulher. Um cuidado que vá além do papanicolau e da
colposcopia. É preciso que as mulheres conheçam seus corpos. Que a sociedade
não nos imponha padrões, porque o fato é que se a endometriose afeta a 10% da
população feminina, parte dos outros 90% nos perguntam se não estamos com
frescura, porque elas nunca sentiram esta dor. Isto serve também para os
homens. Os companheiros precisam ter sensibilidade para compreender que nós,
mulheres, passamos por coisas que nos causam dores que eles desconhecem. E não
somos doidas ou histéricas por isto. Eu não sou doida. Apenas tenho endometriose”,
finalizou Andrea.
SUS
Consultado pela Agência
Brasil, o Ministério da Saúde informou que o número de casos da doença
registrados no ano passado ainda estão sendo apurados – preliminarmente, foram
ao menos 6.531 internações devido a problemas relacionados à endometriose.
Desde julho de 2016, as
secretarias de saúde dos estados, municípios e do Distrito Federal devem oferecer
os tratamentos médicos estabelecidos no Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas – Endometriose, publicado pelo ministério, com os critérios de
diagnóstico e de tratamento, bem como os mecanismos de regulação, controle e
avaliação da doença em todo o país.
A pasta também acrescentou que
há, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), dois tipos de tratamento. O
tratamento clínico visa neutralizar o estímulo hormonal estrogênico nos focos
de endometriose, proporcionando melhora nos sintomas da doença, associado a
medicamentos para o controle da dor. Em pacientes que não desejam engravidar,
contraceptivos hormonais são utilizados.
Já o tratamento cirúrgico é
indicado quando os sintomas são graves, incapacitantes, quando não houver
melhora com tratamento empírico com contraceptivos orais ou progestágenos, em
alguns casos de endometriomas, de distorção da anatomia das estruturas pélvicas,
de aderências, de obstrução do trato intestinal ou urinário, e para pacientes
com infertilidade associada à endometriose.
“Nestes casos, a escolha do
tratamento deve ser feita pelo médico e compartilhada com a usuária, avaliando
sempre a gravidade dos sintomas, a extensão e a localização da doença, a idade
da mulher e, principalmente, o desejo de engravidar”, esclarece o ministério.
Publicado
em 06/03/2021 - 08:02 Por Alex Rodrigues - Repórter da Agência Brasil -
Brasília
Edição: Lílian Beraldo