Mulheres têm conquistas, mas caminho ainda é longo para igualdade
“Nada nos é oferecido, tudo é
uma conquista”, diz Conceição Evaristo
Ser mulher é enfrentar um
desafio diferente todos os dias. É superar barreiras, muitas vezes, invisíveis.
Apesar de serem a maioria da população brasileira (51,8%, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE), elas ainda enfrentam cenários
desiguais, seja na divisão das tarefas domésticas ou nos ganhos no mercado de
trabalho. Muitas vezes, elas assumem tripla jornada. Saem para trabalhar,
cuidam da casa, dos filhos. Em vários lares, elas são arrimo e sustentam
sozinhas suas famílias. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica e
Aplicada (Ipea), em 2018, 45% dos domicílios brasileiros eram comandados por
mulheres.
Mas, apesar de liderarem casas
e assumirem as contas, as mulheres ainda têm de lidar com a discriminação.
Estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) mostra que
90% da população mundial ainda tem algum tipo de preconceito na questão da
igualdade de gênero em áreas como política, economia, educação e violência
doméstica.
Segundo o estudo, que analisou
dados de 75 países, cerca de metade da população considera que os homens são
melhores líderes políticos do que as mulheres, e mais de 40% acham que os
homens são melhores diretores de empresas. Além disso, 28% dos consultados
consideram justificado que um homem bata na sua esposa. Apesar da longa jornada
enfrentada por elas ao longo da história, os números mostram que ainda há muito
a caminhar.
Marco
histórico
Considerado marco histórico na
luta das mulheres por mais oportunidades e reconhecimento, o 8 de março foi
instituído como Dia Internacional da Mulher, pela Organização das Nações Unidas
(ONU), em 1975.
Muitos historiadores relacionam a data a um incêndio ocorrido, em 1911, em Nova York, no qual 125 mulheres morreram em uma fábrica têxtil. A partir daí protestos sobre as más condições enfrentadas pelas mulheres trabalhadoras começaram a ganhar espaço.
Mais de um século depois, as
mulheres seguem na luta por igualdade de direitos
A juíza brasileira Martha
Halfeld é a primeira mulher a ocupar a presidência do Tribunal de Apelações da
ONU - UN Photo/Loey Felipe
Para a juíza Martha Halfeld,
primeira mulher a ocupar a presidência do Tribunal de Apelações da Organização
das Nações Unidas, não há mais espaço para a ideia de “concessão masculina”.
Tudo o que as mulheres conseguiram, ao longo da história, foi com base em muito
trabalho, dedicação e suor. Na visão da juíza, o 8 de março deve ir muito além
de flores ou presentes.
"Oferecer a rosa, pode
ser visto como: eu te concedo uma assistência. Eu, homem, te concedo aquilo.
Hoje, não existe mais espaço para eu concedo. Não, nós conquistamos. E nós
conquistamos com muito trabalho um espaço de perfeita igualdade em termos
intelectuais, pelo menos. Temos tanta capacidade intelectual quanto qualquer
homem”, afirma Halfeld que permanece na presidência da Corte até janeiro de
2022 e segue na ONU até 2023.
Livro
como arma
Para conquistar um espaço na
academia e na literatura, a mineira Conceição Evaristo sabe o quanto teve de
lutar. Sua primeira arma foi o livro, que a acompanhou desde a infância pobre
vivida em Belo Horizonte. "Eu não tinha muita coisa em termos materiais.
Brinquedo era uma coisa rara, passear era uma coisa muito rara, viajar muito
menos. Então, o livro vem preenchendo um vazio. A escola onde estudei os meus
primeiros anos primários tinha uma biblioteca muito boa. Desde menina, eu sempre
gostei de leitura. ”, conta.
Segunda de nove irmãos, a
escritora foi criada pela mãe e por uma tia. Conceição, que trabalhou como
empregada doméstica e lavadeira, foi a primeira da família a conseguir um
diploma universitário.
Depois da graduação, veio o
mestrado, o doutorado e as aulas em universidades públicas. Em paralelo aos
estudos, ela se dedicava a outra paixão: a escrita. Seus contos e poemas foram
publicados na Série Caderno Negros, na década de 1990, e seu primeiro livro, o
romance Ponciá Vicêncio, foi publicado em 2003.
Conceição
Evaristo
Para escritora Conceição
Evaristo, o 8 de março é um momento de reflexão e vigília constante -
Em 2019, foi a homenageada do
Prêmio Jabuti, um dos mais importantes da literatura brasileira. "Foi
preciso um prêmio me legitimar. Enquanto eu não ganhei o Jabuti, as pessoas não
acreditaram que estavam diante de uma escritora negra”, afirma.
Reconhecida como uma das
escritoras brasileiras mais importantes da atualidade, Conceição conta que as
barreiras que teve de enfrentar por toda sua vida foram o combustível para suas
obras. "A minha escrita é profundamente contaminada pela minha condição de
mulher negra. Quando eu me ponho a criar uma ficção, eu não me desvencilho
daquilo que eu sou. As minhas experiências pessoais, as minhas subjetividades, o
lugar social que eu pertenço, isso vai vazar na minha escrita de alguma forma.
”
Para ela, o 8 de março é uma data para ser celebrada, mas também um momento de reflexão e de vigília constante. "Todas as mulheres precisam ficar alertas àquilo que é do nosso direito, àquilo que nós temos de reivindicar sempre porque nada, nada nos é oferecido, tudo é uma conquista”, conclui.
Edição:
Lílian Beraldo
Foto:
Tânia Rego/Agência Brasil