COM CATARATAS IRRECONHECÍVEIS, RIO IGUAÇU ESTÁ 'DOENTE' E VÊ MATA NATIVA MINGUAR
(Com cataratas
irreconhecíveis, rio Iguaçu está 'doente' e vê mata nativa minguar — Foto: BBC
News Brasil)
Famoso pelas quedas d'água,
que atingiram a menor vazão do ano, bacia do Iguaçu perdeu um quinto da
vegetação original desde 1984.
O Iguaçu (rio grande, na
língua tupi) mais parecia um "imirim" (rio pequeno, no mesmo idioma)
para quem visitou suas famosas cataratas nos últimos dias.
Segundo a Companhia Paranaense
de Energia (Copel), a vazão da água perto das quedas foi de 308 mil litros por
segundo, ou um quinto do fluxo normal, nos dias 9 e 10 de junho. Foi o menor
índice de 2021.
É o segundo ano seguido em que
a atração, reconhecida como patrimônio natural da humanidade pela Unesco, fica
irreconhecível. Em abril de 2020, a vazão nas quedas foi ainda menor que a
atual, chegando a 259 mil litros por segundo.
Meteorologistas atribuem o
baixo fluxo principalmente à falta de chuvas no Paraná, Estado onde ficam as
nascentes do Iguaçu e que é atravessado por ele até sua foz, em Foz do Iguaçu,
onde ele deságua no rio Paraná.
Segundo o Sistema de
Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), desde fevereiro,
quase todo o Estado tem tido chuvas abaixo da média histórica.
Como as precipitações só
tendem a voltar em outubro, reservatórios de hidrelétricas na bacia têm retido
água para garantir alguma reserva para os próximos meses, o que também vem
reduzindo a vazão do rio a jusante. Há seis hidrelétricas de grande porte no
Iguaçu.
Mas especialistas afirmam que,
embora a chuva não esteja ajudando, o Iguaçu é hoje um rio "doente" e
nunca esteve tão vulnerável à variação pluviométrica.
Segundo o MapBiomas,
plataforma que monitora o uso do solo no Brasil, entre 1985 e 2019, a região da
bacia do Iguaçu perdeu 21,3% de sua vegetação nativa, formada principalmente
pela Mata Atlântica.
E na sub-bacia que abarca as
cabeceiras do rio, nos arredores de Curitiba, resta hoje apenas 7,2% da
vegetação original, segundo Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da ONG
SOS Mata Atlântica.
"O Iguaçu é um rio doente
e que, para se recuperar, precisa de mata ciliar", ela afirma à BBC News
Brasil.
Ribeiro explica que a Mata
Atlântica, quando preservada, atenua o impacto de secas e temporais sobre os
rios. A floresta retém no solo a umidade acumulada no período chuvoso,
garantindo que as nascentes continuem a jorrar mesmo na estiagem.
Porém, quando as árvores são
removidas e substituídas por lavouras ou pastagens, o solo deixa de segurar a
umidade. Isso faz com que, na estiagem, as nascentes próximas gerem menos água
ou até sequem.
Já na época úmida, as chuvas
não conseguem infiltrar no solo desmatado e tendem a escorrer direto para os
rios, causando erosão e enchentes.
Em 2018, Ribeiro participou de
uma expedição que percorreu todo o curso do Iguaçu para analisar a qualidade da
água e o impacto do desmatamento e da construção de hidrelétricas na bacia.
Ela diz que o rio está poluído em praticamente toda sua extensão, principalmente por causa de agrotóxicos, e que a qualidade da água é ruim até mesmo no Parque Nacional do Iguaçu, a maior área protegida da bacia.
(Famoso pelas quedas d'água, que atingiram a menor vazão do ano, bacia do Iguaçu perdeu um quinto da vegetação original desde 1984 — Foto: BBC News Brasil)
Líderes
de desmatamento
Imagens do satélite
Landsat/Copernicus mostram a intensa destruição da floresta na bacia do Iguaçu
nas últimas décadas. Em nenhum lugar a transformação foi tão avassaladora
quanto em Rio Bonito do Iguaçu, no centro do Paraná.
Em 1984, uma densa e extensa
floresta protegia a margem direita do Iguaçu no município. De lá para cá, só
sobraram fragmentos de mata em topos de morros e em faixas estreitas que
acompanham cursos d'água.
Rio Bonito do Iguaçu foi o município brasileiro que mais desmatou a Mata Atlântica entre 1985 e 2015, segundo a SOS Mata Atlântica. Só ali foram destruídos 24,9 mil hectares de floresta, o que equivale a quase o município de Fortaleza inteiro.
A Mata Atlântica se estende
por 17 Estados brasileiros. Cinco dos dez municípios que mais destruíram o
bioma entre 1985 e 2015 ficam no Paraná.
E a destruição não parou. Em
partes do Estado, como na própria Rio Bonito do Iguaçu, o noticiário lembra o
de partes da Amazônia, com registros frequentes de prisões de madeireiros e de
apreensão de toras extraídas ilegalmente.
Em todo o Brasil, a Mata
Atlântica já perdeu 87,6% de sua cobertura original.
Conservação
como empecilho
Para Clóvis Borges, diretor
executivo da ONG SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação
Ambiental), sediada em Curitiba, prevalece entre boa parte da elite política e
econômica do Paraná a visão de que "a conservação é um empecilho ao
desenvolvimento".
A destruição das florestas
paranaenses teve um grande impulso a partir da Primeira Guerra Mundial
(1914-1919), quando o Brasil enfrentava dificuldades para importar madeira.
Várias famílias de imigrantes
europeus passaram a se dedicar à extração de araucárias, também conhecidas como
"pinheiros-do-paraná" por abundarem na região. Muitas cidades no
Paraná e em Santa Catarina nasceram e cresceram graças à atividade madeireira.
Em 2001, porém, segundo um
estudo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), só restava no Estado 0,8% da
área original ocupada pelas matas de araucárias.
Ironicamente, o Paraná quase
levou à extinção o pinheiro-do-paraná.
Por
BBC
15/06/2021
22h25 Atualizado há 11 horas