Da vulnerabilidade socioeconômica ao mestrado na Espanha: a história de Juliana Ribeiro
(Juliana
em 2016, durante atividade do Dia da Consciência Negra, na Praça dos Bombeiros,
centro de Erechim (Créditos: Acervo pessoal)
Egressa da UFFS, ela saiu do
interior de SP com o sonho de estudar Arquitetura e Urbanismo, mas sua força a
levou para muito além
Para realizar o sonho de
ingressar em uma universidade pública, Juliana França saiu de Jundiaí (SP) em
2014, rumo a Erechim (RS), para cursar Arquitetura e Urbanismo na Universidade
Federal da Fronteira Sul (UFFS). As coisas nunca foram fáceis para a jovem:
Juliana encontrava-se em condição de vulnerabilidade socioeconômica. Com muito
esforço, ingressou na UFFS e, ao longo de sua trajetória acadêmica, agarrou
todas as oportunidades que encontrou. Já atuando como pesquisadora, fez uma
parte do curso na Argentina enquanto bolsista da Capes. Depois, seu TCC,
aprovado com nota 10, recebeu uma menção honrosa do Instituto de Arquitetos do
Brasil (IAB). Com diploma em mãos, embarcou para a Espanha. O destino: a
Universidade de Salamanca, onde fez mestrado graças ao auxílio de colegas e
professores da UFFS.
Abaixo você confere o
depoimento de Juliana – exemplo de como a Universidade Pública pode transformar
a vida de brasileiros e brasileiras.
O
começo
“Assim como grande parte dos
brasileiros, eu venho de uma família proletária. Somadas às questões de classe,
também reúno em mim o ser mulher e negra. Além das dificuldades financeiras,
sempre tive de encarar situações de racismo e misoginia. Tive dificuldades das
mais diversas ao longo de toda a minha vida, inclusive de subsistência,
principalmente quando saí de casa para começar meus estudos universitários.
Quando estava no Ensino Médio,
decidi que faria o possível para estudar em uma universidade pública, mas foi
algo muito mais difícil do que eu poderia ter imaginado. Não fui aprovada em
nenhum vestibular entre aqueles que havia feito quando eu estava no 3º ano.
Em 2013 consegui me inscrever
em um pré-vestibular popular da Universidade de São Paulo (USP). Tinha aulas de
segunda a sábado. Como eu não morava na capital, tinha de acordar às 4 da manhã
todos os dias para ir às aulas. Resolvia os exercícios das apostilas na
biblioteca. Chegava em casa depois das 23h e boa parte das leituras
obrigatórias do vestibular concluí dentro do trem que me levava à Estação da
Luz.
Aprendi muitas coisas naquele ano, mas eu sinceramente espero que neste momento nenhum ser humano tenha de passar por semelhante situação para poder estudar, isso pode desencadear muitos problemas de saúde. No ano seguinte, através do SiSU, fui aprovada para o curso de Arquitetura e Urbanismo da UFFS - Campus Erechim.”
O
sonho tornado real
“A UFFS é muito especial, eu
sou muito grata a cada pessoa que conheci neste espaço tão peculiar e forte. A
primeira vez que coloquei os pés no mar foi durante uma viagem de estudos com
os meus colegas da arquitetura, e, dentre muitas, esta é uma recordação muito
bonita para mim. Além de todas as ferramentas técnicas e acadêmicas que
adquiri, a UFFS também me trouxe um afilhado e vários amigos de diversas
regiões do país, que muito me ensinaram e ensinam.
Na UFFS aprendi algumas poucas
palavras em Kaingang e Guarani, e senti o Minuano em meu rosto. Ao estar tão
longe de nossa terra natal, aprendemos a cuidar um do outro como uma espécie de
família, porque para muitos estudantes a pessoa mais próxima em momentos
difíceis era algum colega da Universidade.
Eu passava praticamente o dia
todo na UFFS. O curso é em tempo integral e muitas vezes continuávamos na
Universidade depois das aulas para fazer trabalhos da graduação ou atividades
de pesquisa, grupo de estudos etc. Tinha as minhas dificuldades pessoais e
pensei em desistir algumas vezes. Tinha de fazer alguns bicos nos fins de
semana e era realmente cansativo dar conta de tudo, mas felizmente as coisas
foram se encaixando.”
Direitos
humanos
“Meu Trabalho Final de
Graduação (TFG) foi um projeto de um museu dos direitos humanos. Ele foi
aprovado com a nota máxima, e recebeu uma menção honrosa do Instituto de
Arquitetos do Brasil (IAB). Em relação ao tema, foram as circunstâncias que me
levaram até ele e despertaram em mim um interesse sincero e a energia
necessária para debruçar-me sobre livros, revistas, entrevistas, obras
arquitetônicas, documentários e uma cidade que eu muito pouco conhecia.
Do curso de Arquitetura e
Urbanismo da UFFS carrego comigo a concepção de que o nosso trabalho deve ser
crítico em suas proposições do presente e em suas leituras do passado, e foi
por estas e outras razões que estudar os ocos e as dívidas históricas que temos
no Brasil, relacionadas aos direitos humanos, manifestadas num anteprojeto de
espaço arquitetônico público como ferramenta de revisão histórica, representou
para mim uma maneira de, minimamente, reafirmar a urgência de arquiteturas,
espaços e políticas pela memória no nosso país.
Falando em memória, lembro que
eram frequentes as manifestações sobre a implementação das ações afirmativas
nas universidades. Diziam que as ações diminuiriam a qualidade das universidades
públicas brasileiras, tão reconhecidas nacional e internacionalmente. Bom, eu
fui uma estudante cotista de uma universidade pública, e não sou um caso
isolado. É importante afirmar e reafirmar isso para não esquecermos que todos
os ataques às ações afirmativas nada tinham a ver com ‘qualidade’, e que, como
estudantes marginalizados, trabalhamos com seriedade apesar de todos os
estigmas construídos em relação a nós.”
Intercâmbio
e pesquisa
“Durante a graduação eu tentei
aproveitar ao máximo todas as oportunidades de aprimorar meus estudos,
principalmente através de projetos de pesquisa, extensão e cultura. Num destes
eu fui bolsista da Capes através do Programa Abdias Nascimento, e a partir de
um intercâmbio, realizado no segundo ano da pesquisa, tive a oportunidade de ir
para a Argentina estudar Antropologia Social durante um ano. Havia estudado
castelhano por conta própria antes de viajar, aprimorei praticando durante a
pesquisa, nas aulas e provas da graduação em Antropologia Social. Quando
retornei ao Brasil, realizei o CELU [Certificado de Espanhol: Língua e Uso]
através da UFFS e obtive a proficiência no idioma.
Foi graças a este tipo de bolsa que pude realizar minha primeira pesquisa fora do país e aprender um segundo idioma, e isso foi muito importante para motivar a minha curiosidade de seguir aprendendo através da investigação.”
(Juliana em Siena, na Itália, durante viagem de estudos do mestrado
(Créditos: Acervo pessoal)
Mestrado
na Europa e o auxílio dos colegas
“Pesquisando um pouco sobre as
áreas de interesse em que pretendia seguir meus estudos, e pelo desmantelamento
do aparato educativo nestes últimos anos, comecei a me inscrever em
universidades estrangeiras que ofereciam bolsas para mestrado. Justamente na
Espanha havia bolsas nas áreas em que queria estudar. Fui aprovada em dois
mestrados mas, infelizmente, não consegui nenhuma bolsa. Já havia desistido
quando comentei com alguns amigos que havia sido aprovada.
Eles me motivaram a começar
uma vaquinha virtual para arrecadar o que necessitava para continuar meus estudos.
Fizemos isso de diversas maneiras, não somente com doações, mas também com o
que cada um de nós sabíamos (e podíamos) fazer mesmo de maneira virtual.
Vendemos comida, fizemos cadernos, minicursos, compartilhamos todos os dias a
publicação da campanha e em pouco tempo conseguimos alcançar a meta. Assim,
escolhi o Mestrado em Estudos Avançados em História da Arte e, no segundo
semestre de 2020, comecei presencialmente meus estudos na Universidade de
Salamanca (USAL), na Espanha.”
Dissertação
aprovada
“No dia 15 de julho deste ano
ocorreu a defesa da minha dissertação de mestrado. A dissertação defendida e
aprovada, em suma, trata das relações analíticas entre arte, estudos
subalternos, arquitetura e território na contemporaneidade. O mestrado que cursei
faz parte do programa de pós-graduação do Departamento de História da Arte e
Belas Artes da USAL. Como continuidade, há a possibilidade de realizar estágio
ou pesquisa como forma de concluir 2 anos na área estudada antes de regressar
ao Brasil.”
Compromisso
coletivo
“O que eu gostaria de deixar como recado é: resistam! E lutem sempre pela educação pública de qualidade durante e depois da sua formação. A educação é uma ferramenta transformadora muito importante e é nosso dever, independentemente da área que estudamos, lutar para que, assim como nós, outros ocupem a cadeira que ocupamos um dia numa sala de aula para seguir aperfeiçoando e melhorando o pouquinho do que deixamos ali. Enquanto o básico não for para todos, incluindo a educação, não poderemos descansar. A UFFS nasceu de um compromisso coletivo e transformou a vida de várias pessoas, não podemos esquecer disso jamais.”
Wagner
Lenhardt - Jornalista
Assessoria
de Comunicação (Ascom)
Universidade
Federal da Fronteira Sul (UFFS) - Campus Erechim
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