Covid-19 RS apresenta primeiros sinais de passagem da epidemia para endemia
(Caso cenário se confirme,
Estado deve manter bons indicadores e registrar apenas casos concentrados de
novos surtos | Foto: Guilherme Almeida)
Mais de 20 meses depois do
início de uma crise sanitária global provocada pelo coronavírus, o Rio Grande
do Sul antevê os primeiros sinais de um processo de passagem de uma epidemia
para uma endemia. Com quase 60% da população completamente vacinada, um dos
melhores desempenhos do país, explosões de grandes surtos e colapso na rede
hospitalar devem ficar mais distantes. As declarações são do virologista
Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-Ômica, iniciativa do Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) que investiga quais cepas circulam no
país.
"Estamos entrando numa
fase que começamos a ver os primeiros sinais de um processo de endemização. A
gente não está livre da geração de novos surtos, mas vemos que o número de
indivíduos internados em UTIs atinge muito mais pessoas sem esquema vacinal
completo ou idosos acima de 80 anos, que ainda não tiveram a oportunidade de
fazer a dose de reforço", explicou Spilki. De acordo com o especialista,
caso o cenário de endemia se confirme, novos surtos devem ocorrer em pequenas
proporções e ficar concentrados em asilos, hospitais e locais com aglomerações.
A endemia é caracterizada pela
ocorrência recorrente de uma doença em determinada região, mas sem um aumento
significativo no número de casos. Ou seja, a população convive com ela. Um
exemplo de caráter endêmico no Brasil é a dengue, que ocorre durante o verão em
certas regiões.
"O único jeito de debelar uma endemia é o avanço muito forte na vacinação, alcançando o máximo de pessoas com as duas doses do imunizante", apontou. Outro entrave enfrentando no Brasil, assim como em diversos países, é a falta de autorização de vacinas contra Covid para crianças menores de 12 anos. Enquanto esse grupo não é incluído no Programa Nacional de Imunizações (PNI), o virologista defende a manutenção de protocolos sanitários como uso de máscaras, limite de ocupação em espaços fechados e passaporte vacinal para participação de eventos.
O especialista descarta a
possibilidade de novos picos de contágios e mortes impulsionadas por variantes,
como ocorre hoje na Inglaterra. O país atingiu na semana passada os níveis de
contágio mais altos desde janeiro quando estava em "lockdown" para
conter a disseminação do vírus. "Nós apostamos que não vai haver novos
surtos em grandes proporções. Até por causa do impacto que a variante Gama
gerou, não imaginamos ver aquele filme de novo. Sei que em outros países da
Europa estamos vendo isso acontecer. Hoje, maioria deles não tá conseguindo
avançar no número de vacinados, como na Rússia, ou estão sofrendo cm os níveis
de flexibilizações e não uso de máscara, como é o caso da Inglaterra",
justificou.
Impacto da variante Delta no
RS surpreendeu especialistas
Enquanto a variante Delta,
registrada pela primeira vez na Índia, provocava explosão de novos casos no
Reino Unido, Inglaterra e Rússia, por exemplo, a América Latina se preparava
para um cenário preocupante. Porém, cinco meses depois do início da circulação
da cepa no Brasil, os efeitos nos indicadores da pandemia surpreenderam positivamente
os especialistas. O que tornou o país uma exceção é uma reunião de cuidados e
mazelas: protocolos sanitários, a circulação da variante Gama e a demora na
vacinação no país.
Para o professor de
Infectologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
(UFCSPA) e coordenador do Laboratório de Biologia Molecular da Santa Casa de
Porto Alegre, um dos principais centros diagnósticos para Covid-19 no Rio
Grande do Sul , Alessandro Comaru Pasqualotto, ocorreu uma leitura equivocada do
significado real das variantes na pandemia de coronavírus. "Não é que as
variantes transmitam mais, mas ela foram detectadas em momentos e locais do
mundo onde havia mais transmissão porque havia mais aglomeração. Então, elas
eram o reflexo, a consequência, e não a causa", destacou.
Para manter esse
"escudo" contra o surgimento de novos cepas, a aposta é a vacinação
em massa. "A nossa grande defesa contra o agravamento da epidemia é a
vacinação. Agora, o quanto de vacinação é suficiente pra proteger contra
eventuais avanços na epidemia decorrentes de aglomerações é difícil de medir.
Mas o que parece claro é que tem funcionado".
Para o virologista Fernando
Spilki, outros dois fatores também definiram o cenário frente à Delta. Uma
delas foi a presença da variante Gama no primeiro semestre do ano, que teve
comportamento agressivo em diversos estados brasileiros. "A Gama pode ter
influído. Hoje estamos avaliando a resposta em pessoas que tiveram essa cepa.
Pesquisamos no seguinte sentido: as pessoas que estavam muito expostas e que
acabaram pegando a variante Gama podem ter tido uma resposta que as protegeu no
momento que a Delta estava circulando".
O atraso na imunização também
pode ter ocasionado um cenário favorável para evitar um agravamento nos
indicadores. Spilki explica que no período da chegada da Delta, o Estado
engrenava na aplicação volumosa de doses, fazendo com que parte da população
estivesse, naquele momento, uma boa "janela" de proteção. Em maio,
quando os primeiros casos de contágio pela variante indiana foram registrados
em solo gaúcho, a cobertura vacinal correspondia a 30% da população, metade do
atual indicador. O especialista, no entanto, não vê base científica para
justificar maior eficácia de uma vacina em específico contra a variante.
Por: Correio do Povo Brenda
Fernández
FOTO: Guilherme Almeida