No 'apagar das luzes', grupo de Deputados tenta aprovar liberação de jogos de azar
(FOTO:
Divulgação Polícia Civil SP)
Às vésperas do fim do ano, um
movimento de um grupo Câmara dos Deputados tenta aprovar o chamado Marco
Regulatório dos Jogos no Brasil, que prevê a legalização e regulamentação dos
jogos de azar, em meio físico ou virtual, em seis modalidades: cassino, bingo,
bicho, apostas de cota fixa, apostas turfísticas e jogos de habilidade. O
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pautou como primeiro item da ordem
do dia de terça-feira (14) um requerimento de 2016 que pede urgência na
apreciação do projeto em questão, que é de 1991 e tem sido discutido ao longo
dos anos na Casa sem nunca obter sucesso.
A intenção de parlamentares
envolvidos na discussão da matéria é aprovar a urgência e já pautar a matéria
para a votação na próxima semana. Se aprovado, texto segue para o Senado. Em
setembro, Lira criou um grupo de trabalho para debater o projeto de lei de 1991
e a sua atualização. De lá para cá, o grupo discutiu o assunto e promoveu
audiências públicas, mas sem muitos holofotes. O assunto já não era debatido na
Câmara há algum tempo. A última movimentação do projeto é de 2016, quando foi
aprovado o parecer do relator Guilherme Mussi (PP-SP) na comissão especial da
Casa criada para deliberar sobre o marco.
O grupo de trabalho tem o
deputado Felipe Carreras (PSB-PE) como relator. Uma minuta do substitutivo ao
projeto foi entregue no grupo no último dia 8, mas ainda passará por algumas
alterações. Ao R7, Carreras defendeu que o assunto foi exaustivamente debatido
no grupo de trabalho, criado por Lira em 9 de setembro já com a indicação dos
membros e previsão de 90 dias de funcionamento, prorrogáveis por igual período.
"Não foi eximida essa
possibilidade de discussão e debate. O grupo de trabalho foi aberto com prazo e
não deixou de haver discussão. Se algum partido não teve interesse de indicar
um membro, é porque não quis discutir o tema", defendeu Carreras, frisando
que o grupo tem parlamentares de diferentes posições políticas, como legendas
de esquerda e até aliados do presidente Jair Bolsonaro, como Bibo Nunes
(PSL-RS). Questionado sobre a necessidade de se pautar a urgência da matéria, o
relator falou sobre desemprego e arrecadação de imposto por parte do estado
brasileiro.
"Os jogos estão
acontecendo cada vez mais e o estado não está arrecadando nada. A gente enxerga
que é importante o estado brasileiro arrecadar, fiscalizar. Cada dia que se
passa o estado está perdendo mais oportunidade. Não tem nada fora do
tempo", afirmou. Segundo ele, o fato de ser fim de ano não justifica
deixar de discutir e votar um assunto. O parlamentar ainda frisou que a
população está precisando de emprego e que a legalização e regulamentação
abrirá mais oportunidades.
O assunto, entretanto, é
polêmico, com grande restrição de partidos de esquerda e da bancada evangélica,
que já travou a aprovação da matéria diversas vezes. Assim, a votação do
assunto em regime de urgência deve sofrer resistência dessas bancadas. Líder da
oposição, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) afirmou que a matéria
"mereceria um debate mais aprofundado do que o se quer fazer".
"Qual a razão de se votar
uma matéria dessa em urgência? Qual a urgência de se liberar os jogos de azar
no Brasil? Sou contrário à votação de urgência e lamento que, mais uma vez, o
caminho natural dos projetos tenha sido desrespeitado para votar uma matéria
complexa e polêmica", afirmou. Segundo ele, o fato de o requerimento de
urgência ser de 2016 e ainda não ter sido votado, mostra que a matéria não é
urgente.
Molon ressaltou que, por ser
um substitutivo, a matéria deveria passar por comissões novamente, tendo em
vista que esse é o local correto, segundo ele, para se debater matérias mais
complexas. "Os temas são debatidos nas comissões, com representantes
distribuídos pelos partidos e isso não foi observado. Grupo de trabalho não é
regimental; as vagas não são distribuídas para os partidos de forma
proporcional. Além disso, nos grupos não se respeita as indicações partidárias.
Quem escolhe é o presidente da Casa e não o líder da bancada", afirmou.
Líder do PT, segunda maior
bancada na Casa, Bohn Gass (PT-RS) frisou que não cabe votar um projeto como
esse na última semana dos trabalhos. "Não é correto que se vote no
afogadilho. Esse tema precisa de aprofundamento maior", pontuou. De acordo
com ele, a matéria é polêmica e, ao longo dos anos, a oposição tem tido uma
posição contrária. Gass ressaltou, no entanto, que é preciso ler e compreender
o projeto antes de a bancada se manifestar.
Vice-líder da minoria, Jandira
Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que é preciso ler o texto para ter opinião, mas que
a bancada sempre se posicionou de forma contrária ao assunto. Ela também
criticou pautar urgência à matéria e a intenção de levá-la direto ao plenário.
"Não é nem uma questão de oposição ou governo. A bancada evangélica,
independentemente de governo, também é contrária. Colocar direto em plenário
vai gerar polêmica", disse.
Aliado de primeira ordem do
presidente Jair Bolsonaro, Bibo Nunes (PSL-RS) integra o grupo de trabalho e
defende que a aprovação da matéria não vai prejudicar o mandatário perante a
bancada evangélica. "Nenhum presidente pode ser refém de nenhum segmento.
Tem que ser refém do emprego e desenvolvimento, baseado na seriedade",
afirmou. Nunes ainda disse que os evangélicos não são favoráveis ao projeto,
mas que a bancada da bala é. Este segundo grupo, apesar de estar a favor da
proposta hoje, é contra a liberação de bingos, o que pode exigir a mudança no
texto.
Sobre a urgência, ele garantiu
que tenta se colocar o assunto em pauta há algum tempo. Agora, depois de
diversas reuniões do grupo (que teve primeira reunião no dia 14 de setembro),
houve o entendimento de que era o momento. Assim como Carreras, ele defende que
o assunto já foi amplamente debatido. "Não vejo apagar das luzes", afirmou.
O parlamentar defende que os "tempos mudaram" e que é preciso pensar
mais no progresso e emprego do que "no lado da religiosidade, que não tem
nada a ver com esse momento".
Perguntado sobre a necessidade
de ainda se discutir a matéria, o relator frisou que o texto base os
parlamentares já têm. "Quem quiser discordar de um ponto ou outro, pode
colocar emenda, destacar, é super saudável", disse, pontuando que a
matéria já passou por comissão, o que ocorreu em 2016.
Lavagem de dinheiro
Mais do que legalizar jogos de
azar, o projeto fala sobre a regulamentação e funcionamento, detalhando, por
exemplo, a criação dos cassinos turísticos. Um dos pontos de maior
questionamento do assunto ao longo dos anos, no entanto, se refere ao risco de
que os jogos sejam usados para lavagem de dinheiro. Para tentar evitar
questionamentos, o grupo de trabalho se reuniu com a Receita Federal e com
integrantes do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
O deputado Felipe Carreras
afirmou que será incluído no projeto a ser apresentado aos colegas a
obrigatoriedade de que se use apenas sistemas sem cédulas de dinheiro, o que
ajudaria no controle. "Se você coloca só dinheiro digital, é possível
rastrear tudo. O jogador só vai poder usar dinheiro digital, cartão de crédito.
O nosso entendimento é que com o recurso tecnológico proibindo cédula, tudo
pode ser rastreado. E quem quiser lavar dinheiro, vai ser mais fácil lavar em
um estacionamento do que no jogo", afirmou.
Conforme o parlamentar, o
Brasil deixa de arrecadar bilhões de reais quando não regulamenta os jogos, e
abre espaço para a ilegalidade. A ideia do projeto, segundo ele, é incluir a
vinculação dos impostos obtidos pelos estados com a jogatina nos gastos com
áreas prioritárias, como saúde e educação. Carreras ainda ressaltou que
trata-se de uma 'falácia' dizer que o Brasil não tem jogos de aposta quando, na
verdade, os jogos são explorados apenas pelo estado, por meio das loterias.
Bibo Nunes também frisou que é
preciso trazer os jogos para legalidade, gerando impostos e empregos. Para ele,
com a tecnologia de hoje, será difícil usar mecanismos por meio dos jogos para
lavar dinheiro e promover outros atos como esse.
A minuta elaborada pelo relator
possui 66 páginas e traz uma série de pontos a serem estabelecidos no marco
regulatório. Um deles, por exemplo, é que as licenças para que se tenha um
cassino, por exemplo, serão precedidas de leilões, e que há um limite de número
de licenças de cassinos integrados: uma licença por estado com até 15 milhões
de habitantes; duas licenças para estados que tenha entre 15 milhões e 25
milhões de habitantes; e três licenças por estado com mais de 25 milhões de
habitantes.
O projeto também cria um Sistema Nacional de Jogos e Apostas que será constituído pelo órgão reguladores, entidades operadores, turísticas, agentes de jogos de azar e empresas de auditoria contábil e operacional de jogos e apostas registradas no órgão regulador e supervisor federal.